Existe protesto coerente que não seja o boicote total?
Hoje, andando pelas ruas,
sinto o clima trazido pela Copa do Mundo. É dia de jogo do Brasil. Em todos os
estabelecimentos a presença é garantida de bandeirinhas e televisões
transmitindo as partidas; os carros, enfeitados de verde e amarelo, buzinam sem
motivo. Durante o trajeto do ônibus, vejo passageiros subirem e descerem, todos
com camisas do Brasil. Saíram de casa para trabalhar, como num dia qualquer, mas
levam as cores do país, pois é Copa do Mundo. Vejo, do outro lado da rua, um
outro ônibus, também ele lotado de torcedores com bandeiras, também ele levando
a multidão que espera ansiosamente chegar em casa para assistir ao jogo.
Sinto-me, então, contagiado pela atmosfera, e me pergunto se eu mesmo deveria
ter saído de casa vestindo verde e amarelo. Entretanto, não deixo de me perguntar:
para onde foi toda a insatisfação que levou milhares às ruas há exatamente um
ano? Onde está o ódio daqueles que protestaram contra a Copa nos últimos meses?
Para os amantes do futebol, imagino
que todo esse descontentamento permaneça, porém mesclado à euforia trazida pelo
Mundial. É o meu caso. Sem dúvidas, sua chegada me trouxe sentimentos ambíguos
e paradoxais. Como disse na primeira parte desta reflexão, ainda que
não me oponha, a priori, à utilização
de dinheiro público, há que se questionar tudo o que ocorreu ao longo da
organização e quais são os interesses envolvidos num um evento tão carregado de
contradições, sendo justamente o caráter antidemocrático e a organização
irresponsável que motiva as sensações divididas[1]. Assim,
para os apaixonados pela bola, como fica a consciência política em tempos de
Copa do Mundo?
Diante da óbvia constatação
de que o Mundial é um evento corrupto e leviano com dinheiro público, diversos
questionamentos vêm à cabeça: até que ponto participar da Copa é compactuar com
desvios de verba, desperdícios de recursos e superfaturamento? Frente ao
elitismo do evento e aos benefícios dados às grandes empresas, em que medida se
entusiasmar com a competição é estar de acordo com a manutenção das
desigualdades e a segregação social?
Protesto feito por torcedores no Maracanã
Em meio a esse fluxo de
consciência, não consigo deixar de achar hipócrita o ato de pagar preços
abusivos em ingressos e, do alto do conforto dos camarotes, vaiar a presidenta,
ou mesmo o presidente da FIFA. Afinal, que opção tem o consumidor indignado diante
dos altos valores se não a recusa da compra? Com o conhecimento de que as
quantias pagas por ingressos, alimentos e bebidas em estádios e produtos
licenciados (camisetas, álbuns de figurinhas, etc) vão direto pro bolso da
federação, em que medida consumir é contribuir para o caráter corrupto e
antidemocrático da Copa? Quantos opositores da Copa recusariam um ingresso para a final, para manter a coesão do posicionamento político? Pode-se argumentar, porém, que é possível participar
do Mundial e de suas celebrações e, ainda assim, protestar, expressar indignação
e revolta. Pergunto-me: como? Levando faixas aos estádios, sabendo que deles
estão excluídos os trabalhadores comuns, também apaixonados pelo futebol? Protestando
na Paulista contra a Copa e, logo após, ao chegar em casa, ligando a TV no
Sportv para assistir à próxima partida?
Façamos, então, um pequeno
exercício de reflexão: imaginemos um sujeito que gosta muito de comer carne,
apesar de simpatizar com a causa do vegetarianismo. Assim, participa de
manifestações e levanta faixas contra o assassinato em massa de animais, mesmo
sabendo que o filé que comeu no almoço foi responsável direta ou indiretamente por
tirar uma vida. Imaginemos também um indivíduo que gosta muito de fazer compras
e que se decepcionou ao descobrir que sua grife favorita produz com mão de obra
escrava. Contudo, viu uma oferta imperdível (dessas que só aparecem de quatro
em quatro anos) e, depois de assinar petições do Avaaz contra a marca, comprou
os últimos lançamentos.
Há alguma coerência nesses
casos? Há lógica e nexo em manifestações seletivas e parciais? Afinal,
existe protesto coerente que não seja o boicote total?
Por outro lado, apesar da constante ponta de culpa, não me sinto responsável
direto por nenhuma dessas injustiças. Ao contrário, poderia dizer que, como admirador do esporte, sou mais
uma vítima de uma gestão arbitrária
e desonesta, infeliz marca do governo brasileiro e da FIFA. Como outros tantos,
amo o futebol. Vivo o esporte de quase todas as formas que estão ao meu
alcance: acompanho aos jogos e notícias, sou sócio do clube pelo qual torço,
vou ao estádio sempre que posso. Por conta dele, já fui às lágrimas por
alegria, tristeza, ódio. Para além do clubismo, sigo campeonatos
nacionais e internacionais, acompanhando qualquer partida de nível interessante. Dessa
forma, vejo que minha paixão pelo futebol é mais antiga que a escolha do Brasil
como sede; frequento estádios desde antes de seu orçamento superfaturado para o
Mundial. Assisti e vibrei com todas as Copas do Mundo desde que tenho tamanho
para me sustentar sentado num sofá. Assim, o início da Copa de 2014, no Brasil,
deveria proporcionar a mim e a milhares de outros apaixonados um completo
ambiente de festividade e euforia. Por que devo me sentir diferente neste ano? Porque devo negar minha satisfação por conta de absurdos dos quais não sou causador?Parece-me
que a imposição de culpa sobre os que torcem pelo futebol e se emocionam com a
Copa é o mesmo que privá-los de uma paixão que nada tem a ver com uma
organização injusta e antidemocrática. Será mesmo que gostar da Copa e vibrar
com ela significa necessariamente uma mancha na consciência política?
Estudantes reunidos no Ginásio da Unicamp para assistir à Copa de 2010: memórias de um tempo em que torcer não implicava em sentimentos ambíguos e contraditórios
Por fim, encerro aqui esta
reflexão sem concluir nem postular. Mais que uma defesa de ponto de vista, este
texto é um convite a um diálogo com amigos que, como eu, devaneiam sobre a Copa
do Mundo, seus significados e os sentimentos que provoca.
[1]Não intenciono listar
aqui a enormidade de injustiças ocorridas ao longo da preparação e o quanto a
Copa está contribuindo para a manutenção das desigualdades sociais. Para esses
propósitos, a internet se mostrou um instrumento importante de denúncia e muito
tem se publicado sobre esses temas (confira aqui e aqui).
Por que, a priori, não sou
contra a Copa no Brasil
A Copa do Mundo começou e,
com ela, cresce o eco dos gritos raivosos de “não vai ter copa”. Se em 2007,
com a escolha do país para sediar o evento, as críticas foram tímidas, nos
protestos de junho de 2013 o coro contra o Mundial ganhou corpo e sensibilizou
milhares de brasileiros que se opunham aos gastos com a Copa.
Assim, em meio aos já
presentes gritos de “gol”, parte da oposição à Copa permanece, em minha
opinião, marcada pela desinformação e pouca reflexão sobre o tema.
Entristece-me profundamente perceber que uma parcela considerável da esquerda
reproduz de maneira mecânica o argumento de que “é um absurdo gastar dinheiro
público em estádios e não em saúde e educação.” É contra essa oposição que
escrevo, tentando deixar claro por que não sou, a priori, contra a realização da Copa no Brasil. Veja: isso NÃO
significa que concordo com desperdício de dinheiro, superfaturamento, desvios
de verbas, licitações fraudulentas, despejo de famílias e repressão a
manifestações. Ou seja, não significa que concordo com o modo como a Copa foi organizada nem com quaisquer injustiças ocorridas
ao longo da preparação. Quero apenas mostrar por que não vejo como absurdo, por
si só, o Brasil sediar o evento.
Para isso, vejo dois possíveis argumentos que
questionam a conflito “Copa x saúde e educação”.
1- A Copa do Mundo como empreendimento econômico
A crítica ao fato do governo brasileiro, em
todas as suas instâncias, estar investindo recursos públicos em estádios, em
detrimento de setores como saúde e educação, foi o mantra mais repetido dos
últimos anos no país. Afinal, existe alguém que é contra investir nessas áreas?
No entanto, dificilmente se vê a análise concreta dos números. Ressalto que meu
conhecimento em economia é limitado, mas uma rápida busca no google me levou ao
comentado infográfico da Folha sobre os gastos do Mundial. Encontrei
também o pouco conhecido estudo de impactos socioeconômicos da Copa,
feito pela FGV, em parceria com a consultoria Ernst & Young. Segundo a Folha, dos R$25,8 bilhões
investidos no evento com obras de infraestrutura que serão utilizadas por toda
a população (mobilidade urbana, aeroportos, segurança, etc), R$8,0 bilhões
foram gastos na construção de estádios, quase completamente com recursos
públicos, e é justamente esse o ponto mais criticado. Enquanto isso, o
estudo de impacto mostra que, além de criar empregos, a Copa produzirá R$142
bilhões adicionais para a economia brasileira, número que certamente deve ser visto
com criticidade. Porém, além de enriquecer ainda mais os donos de construtoras,
empresas aéreas e redes hoteleiras, esse valor representará um arrecadação
tributária adicional de R$ 18,13 bilhões aos cofres de municípios, estados e
federação.
Assim, diante do montante investido nos
estádios e do total da arrecadação,
não é preciso ser economista para perceber que, como empreendimento, a Copa poderá
trazer resultados positivos, gerando ganhos extras aos cofres públicos. Sim, recursos
adicionais que podem ser usados em serviços básicos, tais como saúde e
educação. Obviamente, se houvesse uma utilização mais responsável, justa
e transparente dos investimentos, os impactos socioeconômicos seriam ainda mais
rentáveis. Ainda assim, por mais que a preparação para a Copa tenha sido desrespeitosa
com o dinheiro público (e obviamente deve-se protestar contra isso), o evento
trará resultados economicamente positivos.
2- A Copa do Mundo como
evento cultural brasileiro
Nos últimos dias a internet se encheu
de comentários pseudo-críticos sobre a Copa, dentre os quais se destaca o
chavão “pão e circo”. Além de ser uma comparação completamente esdrúxula e
anacrônica, essa análise desconsidera o caráter cultural que um evento como a
Copa do Mundo possui. Longe de ser um mero instrumento de manipulação e
alienação do povo, o futebol é um elemento integrante da cultura brasileira, é
lazer e entretenimento. O esporte aproxima as pessoas, proporcionando o contato
de diversos povos com diferentes costumes; faz rir, faz chorar, emociona e leva
alegria a milhares de pessoas. Assim, mais importante que pensar se a Copa será
economicamente rentável é valorizar sua importância cultural. Investir no
Mundial não deve significar deixar de investir em serviços básicos. A população
brasileira precisa de saúde e educação, bem como também tem direito a lazer,
entretenimento e cultura. Portanto, assim como se destinam verbas públicas para
o Carnaval, a Virada Cultural, a Bienal do Livro e tantos outros eventos
culturais, o Estado deve, sim, utilizar recursos públicos para realização da
Copa do Mundo, obviamente que da forma mais democrática e responsável possível,
o que infelizmente não vem ocorrendo.
Milhares assistem ao jogo do Brasil no Fan Fest em Copacabana. Seriam todos alienados?
Dito isto, encerro esta reflexão dando início
a outra. Como afirmei, dizer que, a
priori, não me oponho à realização da Copa no Brasil, não significa que
concordo com o modo como ela foi organizada e vem ocorrendo. Pois bem, de fato
não concordo. Discordo radicalmente, na verdade, e por esse motivo a alegria
que me tomou nos últimos dias surgiu junto de inegável angústia. Para os
apaixonados pela bola, como fica a consciência política em tempos de Copa do
Mundo? Fica para a segunda parte desta reflexão.
Não
me considero uma pessoa muito amante da ordem, muito menos da hierarquia, mas
gosto de fazer listas. Gosto de ordenar coisas que me chamem a atenção, e
discutir essas listas com amigos. Sempre que digo isso me lembro um pouco
daqueles caras da loja de discos do livro do Nick Hornby, Alta Fidelidade (caso haja alguma diferença gritante entre livro e
filme, não me culpem, eu só assisti ao filme). Mas listas são legais, e, de uma
forma ou de outra, acabam por me servir como espelhos de parcelas do meu
pensamento.
Tive
a ideia de fazer uma lista para o blog, envolvendo duas manifestações artísticas
pelas quais eu sou apaixonado: o cinema e a música. Então, organizei uma lista
com as trilhas sonoras mais marcantes da história do cinema, com pequenos
comentários sobre cada um dos filmes (e trilhas). Antes de começar a listagem,
acho importante lembrar de que essa escolha é extremamente pessoal, e deve ser
discutida. Discordem, concordem, me amem e me odeiem. Outro lembrete
fundamental: colocar uma trilha em uma posição superior à outra não significa
que eu a ache melhor, mas sim o fato dessa trilha ser mais marcante na minha
vida, ou simplesmente o outro fato de eu ter me lembrado dela antes das outras.
Vamos,
então, passear pelas grandes trilhas sonoras da história do cinema:
1) A
Missão – Esse é um dos casos em que a música é melhor do que o próprio
filme. Bem melhor. E o filme é bom. A história de missionários cristãos e sua
convivência entre os indígenas, no sul do Brasil, é acompanhada pela trilha
sonora majestosa de Ennio Morricone, provavelmente o maior compositor vivo de
música para o cinema. Alternando entre o intimista e o épico, Morricone
consegue criar uma música que atravessa a beleza do filme, e reivindica para si
um próprio espaço do belo. A trilha transcende o filme de forma espetacular. O Te Deum cantado em guarani é algo
belíssimo, assim como os sons que acompanham a destruição da missão. Mas o que
realmente ecoa para além da tela, que emociona e umedece olhos são as notas
tímidas sopradas por Gabriel, personagem de Jeremy Irons, que evoluem para uma
música grandiosa, a inesquecível “Gabriel’s Oboe”. O intimista encontra o
épico, e uma obra-prima musical nasce.
2) Akira
– Katsuhiro Otomo criou um universo fantástico em seu mangá Akira. Com uma ambientação cyperpunk, e questionamentos filosóficos
sobre política e maturidade, sua obra foi um verdadeiro marco na
ficção-científica. A adaptação para o cinema, comandada pelo próprio Otomo e
lançada em 1988, teve que cortar muito do material original para conseguir uma
montagem final de duas horas. Mesmo com cortes e com uma redução na
complexidade da trama, o visual continuava lá, e a inquietação trazida pela
história também. A direção de arte, responsável por dar vida à cidade de Neo
Tokyo, teve um apoio essencial de Geinoh Yamashirogumi e Tsutomu Ōhashi (que
utiliza o pseudônimo Shoji Yamashiro) na composição da trilha sonora. Fundindo
instrumentos de percussão milenares com as últimas tendências da música
eletrônica, os compositores nos trouxeram uma música de sonoridade única,
repleta de contrastes, expressando exatamente a contradição do mundo onde os
personagens de Akira vivem. As notas
musicais que acompanham Kaneda em sua moto perseguem o espectador por muito
tempo após o filme ter se encerrado. E o coro de vozes infantis utilizado no “Réquiem”
é algo maravilhoso demais para ser descrito.
3) O
Poderoso Chefão – Francis Ford Coppola transformou o filme de gângsteres em
algo épico. Uma história de assassinatos, emboscadas e vinganças ganha o verniz
de uma saga familiar. Momentos intimistas se ligam com momentos grandiosos. A
trilha de Nino Rota tem como desafio passear pelos dois climas da história, e uni-los
quando necessário. Colaborador de Fellini, Rota já havia composto belas trilhas
evocativas, principalmente em A Doce Vida,
Oito e Meio e Amarcord. Havia composto também a trilha ultra-romântica do Romeu e Julieta de Franco Zefirelli. Com
essa bagagem, a união do filme de gângsteres com o épico, da história familiar
com o grandioso é expressa por uma trilha sensacional, que passeia pelo
sinistro e pelo triunfante. A cena em que Michael Corleone, vivido por Al Pacino,
visita a terra natal de seu pai é um exemplo desse sucesso. Tudo fica ainda
melhor no segundo filme da série, que contou com a colaboração do maestro
Carmine Coppola, pai do diretor, na trilha.
4) Taxi
Driver – Taxi Driver é, nada mais
nada menos, do que uma descida ao inferno. Travis Bickle, o personagem de
Robert De Niro, exposto ao trauma do Vietnã e à violência da cidade de Nova
York nos anos 70, mergulha em um pesadelo de sangue e ódio. O público é
convidado a acompanhá-lo em sua perturbadora jornada. Bernard Herrmann,
conhecido por sua colaboração com Alfred Hitchcock, recebeu a missão de musicar
a primeira grande obra-prima de Martin Scorsese. Alternando solos belíssimos de
saxofone com acordes distorcidos e perturbadores, Herrmann evoca a melancolia e
a solidão de Travis Bickle, sem esquecer nunca da sombra que o rodeia, da
sombra da violência que em algum momento deve explodir. Esse foi o último
trabalho do compositor, que faleceu antes do lançamento do filme. Talvez ele
tenha partido deixando como legado seu trabalho mais impactante.
5) Blade
Runner – O compositor de música eletrônica grego Vangelis é mais conhecido
pela trilha sonora do chatíssimo Carruagens
de Fogo (aquela utilizada em toda transmissão de competições de atletismo
na Rede Globo). Porém, seu grande trabalho é sem dúvida o clássico da ficção
científica existencial, Blade Runner.
Da mesma forma que em Akira, o
desafio de Vangelis é compor uma trilha que una o novo com o tradicional. A
base do enredo de Blade Runner são os
filmes noir hollywoodianos. Deckard,
personagem de Harrison Ford, é uma espécie de Humphrey Bogart deslocado no
tempo. Mas, na realidade do filme, humanos colonizaram Marte e replicantes
estão entre nós. E a Coca-Cola ainda existe. A trilha de Vangelis cumpre esses
desafios com louvor, movendo-se entre o nervoso, o eletrizante e o delicado.
Para emoldurar esse conto existencial, essa fábula sobre o sentido da vida, a
escolha de trilha sonora não poderia ter sido feita de maneira melhor.
6) A
Lista de Schindler – É muito difícil passar pelos minutos finais de A Lista de Schindler sem derramar uma
lágrima. A história do industrial alemão que evitou a morte de uma série de
judeus no Holocausto foi levada às telas por Spielberg de uma maneira profundamente
tocante, escorregando poucas vezes para a pieguice habitual dos filmes do
diretor (não tenho nada de muito forte contra essa pieguice, E.T. é um dos meus filmes preferidos). A
trilha do incansável John Willians, premiada com o Oscar daquele ano, segue os
mesmos passos. Extremamente tocante, extremamente bela, mas sempre sóbria, sem
sentimentalismos exagerados. Essa seriedade só torna o filme mais impactante. E
é importante destacar o trabalho do grande solista israelense Itzhak Perlman,
responsável pelos límpidos e maravilhosos solos de violino da trilha.
7) Era
uma Vez no Oeste – Quatro personagens principais. Quatro temas principais.
Sentimentos evocados. Violência e poesia no oeste. Passados relembrados, um
vingador misterioso, de poucas palavras. Assassinos de olhos límpidos,
criminosos simpáticos e uma viúva com um senso de duplicidade bastante elevado.
A marcha para o oeste, a ferrovia e o Oceano Pacífico. Essa aqui é melhor ouvir
do que tentar descrever. Só assim pode-se entender o motivo do grande Ennio Morricone
aparecer três vezes nessa lista (e olhem que eu deixei passar a trilha
emocionante de Cinema Paradiso).
8) O
Senhor dos Anéis – A Terra-Média criada por Peter Jackson é a melhor
ambientação que uma história de fantasia conseguiu ter no cinema. A seriedade
com que o diretor trabalhou esse mundo ficcional criou um senso de realismo que
talvez nunca seja repetido. Nem o próprio Jackson teve sucesso absoluto ao
revisitar a Terra-Média em O Hobbit.
Um trabalho de ambientação tão bem-feito, extraindo o melhor dos livros de J. R.
R. Tolkien, precisava de uma trilha sonora à altura, que ressaltasse o escopo
épico da história. Não contente em realizar um trabalho competente, Howard
Shore redefiniu a música para filmes épicos, da mesma forma que Peter Jackson
estabeleceu um novo parâmetro para a direção de filmes grandiosos. Temas
inesquecíveis, canções adequadas, grandiosidade por todos os quadros de filme.
Dá vontade de pular na tela e passear pela Terra-Média. Destaco apenas uma
curiosidade: em uma trilha tão grandiloquente, o tema que, mais se destaca,
para mim, é o do Condado. Em meio a tanta grandiosidade, entre batalhas para
definir o destino de um mundo, a música que mais me emociona são as belas notas
que retratam a tranquilidade e a beleza interiorana do Condado.
9) Os
Bons Companheiros (Goodfellas) –
Essa aqui nem é uma trilha sonora original, mas sim uma escolha de músicas já
compostas. Prática comum nos filmes de Martin Scorsese, a parceria do diretor
com o músico Robbie Robertson para a escolha das canções a formarem a trilha
sonora, resulta em algo extraordinário nesse clássico moderno. A recuperação de
“Manish Boy”, clássico do blues famoso na interpretação de Muddy Waters, nos traz
uma cena brutalmente agressiva e antológica. “What is Life”, de George
Harrison, serve como moldura a momentos de perseguição, paranoia e carreiras de
cocaína. Mas provavelmente o trecho mais sensacional é o olhar que Robert De
Niro direciona à câmera inquieta de Scorsese, enquanto ouvimos “Sunshine of
your Love”, do Cream. A lente de Scorsese fica estacionada e ninguém fala nada.
Só se escuta a guitarra de Eric Clapton. Mas os olhos de De Niro, e a fumaça de
seu cigarro nos dizem muita coisa. E nos dá saudades de quando o ator fazia
bons filmes.
10) Três
Homens em Conflito (The Good, the bad and the ugly) – O uivo da hiena
marca, de forma indelével, a trilha sonora do grande filme de Sergio Leone. Em
uma parceria histórica com Ennio Morricone, o popularizador dos western spaghetti nos traz uma história
divertida e emocionante, durante a Guerra de Secessão nos Estados Unidos. Como
faria, de forma ainda mais perfeita, em Era
uma Vez no Oeste, Morricone utiliza a música para estabelecer a diferença
de personalidade entre os três personagens principais, que aqui são O Bom (Clint
Eastwood), O Mau (Lee Van Cleef) e O Feio (Eli Wallach). Procurando um tesouro
perdido, em meio às balas dos canhões, os três aventureiros garantem ao público
momentos antológicos, sempre marcados pela música, e pelo uivo da hiena. Um
detalhe do brilhantismo de Morricone merece ser notado: em um filme com
diversos momentos engraçados, moldados por uma música com tons humorísticos, o
compositor consegue um efeito belíssimo ao trabalhar com temas mais sérios e
violentos. Um excelente exemplo disso é a cena da tortura do “feio” Tuco.
Enquanto o personagem é torturado de forma brutal, soldados do exército ianque
tocam música do lado de fora da cabana de tortura. A intenção é fazer com que o
som da música abafe os gritos. Os acordos sofridos sonorizam a violência,
provocando um contraste emocionante. Os gritos são abafados, mas a emoção é
amplificada. Isso torna o filme ainda mais satisfatório, e completo. A música
colabora para isso, mas também tem uma força própria, fazendo com que seja
constantemente retomada pela cultura pop. E, para aqueles que só conhecem a
trilha pela abertura dos shows do Metallica:
assistam ao filme já!
Estou com dengue. Isso significa que, assim como
muitos amigos de Campinas e região, passarei os próximos dias de molho,
acompanhado pelas dores e pelo desânimo. Qual o sentido, então, de
pensar em músicas para enfrentar a dengue?
Nunca fui adepto de filosofias
transcendentais-místicas-quânticas-holísticas e nem do poder das energias do
cosmos. Mas se há uma coisa que realmente interfere no meu humor é a música.
Assim, se sua dor de cabeça não está tão forte, recomendo uma pequena lista de
músicas para alegrar seus próximos dias. São canções felizes e tranquilas que
não vão acabar com os sintomas, mas certamente podem arrancar sorrisos e
sensações agradáveis.
1 - Marcelo Jeneci - Pra Sonhar
Nada mais feliz que cenas reais de pessoas se casando, ao som de
uma música belíssima.
2 - The Faces - Ooh La La
Letra feliz, melodia feliz e contagiante.
3 - Edu Sereno - Rotina
"Papararararara"
4 - Billie Holiday - Can't Help Lovin' Dat Man
Uma canção suave e romântica, com a sonoridade agradável dos anos
40.
5 - Edward Sharpe and the Magnetic Zeros - River of Love
Vejam essa gravação: o guitarrista tem um chapéu feito de mato. A
vocalista chacoalha os braços enquanto canta. Pode haver algo mais feliz que
isso?
6 - Citizen Cope - Every Waking Moment
"Every waking moment I'm alive I'm searching for
you". Aliás, recomendo tudo desse cara.
7 - Silva - A Visita
Mais um artista da nova geração brasileira que mistura ritmos,
estilos e instrumentos diferentes.
8 - Mutantes - Vida de Cachorro
Mutantes são legais, cachorros são legais. Uma música dos Mutantes
sobre cachorros é, portanto, essencialmente feliz.
9 - Blind Melon - No Rain
Um dos clipes mais bonitinhos de todos os tempos.
10 - Edith Piaf - Je Ne Veux Pas Travailler
Afinal, quem quer trabalhar com dengue?
11 - John Butler - Losing You
Um belíssimo dueto envolvente e profundo.
12 - The Shire Theme Song - O Senhor dos Anéis
Feche os olhos e imagine-se saltitando pelas colinas do
Condado.
Quem procura por R&B e Soul no youtube em 2014 acaba
encontrando, em sua maioria, vídeos de artistas de rap e hip hop. Ao longo
do século XX, o Rythm & Blues sofreu diversas alterações, de
modo que essa designação represente hoje um estilo completamente diferente da
sonoridade que se tornou popular nos anos 50 e 60, com grande importância dos
músicos negros do sul dos EUA. Neste período, o gênero foi um predecessor do rock n’ roll e mesclava estilos como o soul, o jazz, o blues e a música gospel, tornando-se consagrado nas vozes
de artistas como Ray Charles, Etta James e Otis Redding (clique aqui para ver um vídeo que reúne trechos de grandes músicas desse estilo nos anos 60). Deixemos de lado, no
entanto, os “rótulos”. Todo gênero musical é híbrido, heterogêneo e engloba
diversas naturezas sonoras. Assim, para apreciar o R&B e o Soul, mais importante que uma designação
fechada é reconhecer e se deleitar com suas marcas características: trata-se de
canções românticas, com letras simples e dramáticas, melodias suaves, melancólicas
e sensuais. Os arranjos, de modo geral, trazem os acordes constantes do piano,
a marcação precisa da guitarra e o choro do órgão gospel. Refiro-me a esta
sonoridade, a estas músicas que ouvimos de olhos fechados e com expressão de
sofrimento no rosto. É a este gênero rico e diverso que me refiro quando aponto
o surgimento de uma “nova geração”.
Os saudosistas, certamente, dirão que os
artistas do século XXI não servem para lustrar os microfones de nomes como
Aretha Franklin e Sam Cooke. Entretanto, comparações nostálgicas servem apenas
para tirar o brilho de músicos contemporâneos que possuem qualidades inegáveis.
Assim, desta chamada “nova geração” Soul,
talvez o nome mais popular seja Amy
Winehouse. Com suas letras nada ingênuas, Amy chegou ao auge com músicas
que mesclavam o pop, o jazz e soul. O francês Ben L’Oncle
Soul, depois de surgir com sua versão soul
de “Seven Nation Army”, consolidou-se
no R&B depois de assinar contrato com a gravadora americana Motown, aquela mesma que gravou com
Jackson’s 5, Marvin Gaye e The Temptations nos anos 60, graças a sonoridade vintage de suas canções. Alicia Keys, com sua voz encorpada e
músicas românticas acompanhadas pelo piano, representa bem o soul melancólico em sua versão pop dos últimos anos. Já a galesa Duffy, depois de surgir com o hit “Mercy”, despontou no Reino Unido com
canções mais lentas e sofridas, como “Warwick
Avenue”. Joss Stone, com seu
visual “Janis Joplin do século XXI” e sua voz grave e poderosa, é mais uma
artista que surgiu com covers de soul
music antes de se tornar um sucesso. Por sua vez, o canadense Michael Bublé, no início dos anos 2000,
colocou novamente em evidência a sonoridade do R&B ao som das Big
Bands de jazz e swing dos anos 40, em uma nova roupagem pop.
Ray Charles, Etta James, Aretha Franklin e Otis Redding:
nomes consagrados do R&B e do Soul dos anos 60
É perceptível, nesses últimos anos, a
tendência de uma retomada de sonoridades nostálgicas, mas com elementos
contemporâneos. Paloma Faith, com
seu visual extravagante que parece ter saído de um filme de Tim Burton, mescla a voz com timbre grave e característica do soul
com sintetizadores, efeitos e batidas eletrônicas. A representante brasileira
desta “nova geração” é CéU, que
mistura o R&B com a MPB e Bossa Nova. Já o havaiano Bruno Mars, em meio aos inúmeros hits
de sucesso mundial, possui canções incríveis com fortíssima influência do R&B, como “If I Knew” e “Gorilla”, com exibições ao vivo
invejáveis. A portuguesa Aurea
expressa, com a canção “Busy for me”,
a essência do R&B dos anos 50: a sensualidade do arranjo,
a voz encorpada e a temática simples e melancólica, No clipe, a intérprete
aparece aos prantos enquanto canta: “Eu tentei te ligar, mas você não atendeu”.
Beyoncé, obviamente, é conhecida por
ser uma diva do pop. No entanto, sua
caracterização de Etta James, para o filme Cadillac
Records, de 2008, trouxe novamente à tona os sucessos da Rainha do Soul,
com regravações incríveis. John Mayer,
além de suas inegáveis qualidades como guitarrista, mescla o pop e o blues, com a batida característica do soul dos anos 60. Na versão ao vivo de “Gravity”, por exemplo, o americano toca trechos de “I’ve got dreams to remember”, de Otis
Redding.
Por fim, nota-se, nessa chamada “nova geração”,
uma retomada do R&B e do soul dos anos 50 e 60, tanto no visual quanto na sonoridade
melancólica, dramática e sensual. Enquanto nos anos 50 esse estilo era um tanto
quanto restrito aos negros dos EUA, hoje se percebe uma diversificação em sua
produção. Há também, sem dúvidas, uma nova roupagem pop dos tempos atuais para esse estilo, mas que não tira o brilho das
belas canções. Para aqueles que apreciam ou gostariam de conhecer mais desse
estilo, deixo aqui uma lista de reprodução com uma seleção das minhas músicas
favoritas com essa batida romântica e melancólica, e alguns dos diversos subgêneros contemporâneos.
No dia 1 de abril de 2014, cinquenta anos
terão se passado desde que um golpe militar depôs o presidente João Goulart e
iniciou um regime militar que durou 21 anos. O período foi manchado por
torturas e perseguições a opositores, por censura e autoritarismo. Os meios
artísticos buscaram diversas formas metafóricas de se expressar em um momento
no qual a produção cultural passava por um crivo censor. O ano de 1968 – que marca
as revoltas estudantis iniciadas em Paris e que se espalharam pelo mundo – no Brasil,
foi o ano marcado pelo Ato Institucional nº 5, que fechou o Congresso Nacional
e permitiu ao presidente, que na época era uma capivara que atendia pelo nome
de Costa e Silva, governar por decreto. No ano seguinte, 1969, o cineasta grego
Costa-Gavras, conhecido pelo engajamento político e pelo senso crítico apurado,
lançava sua obra-prima, um filme que possuía um título composto por uma só
letra: Z. Z, o clássico dos thrillers políticos, é um dos filmes mais eloquentes
já feitos contra o autoritarismo. Consegue esse efeito sem discursos apelativos,
mas com um roteiro preciso e com um posicionamento político sincero e coerente.
Não por acaso, Z foi interditado pela
censura brasileira por diversos anos. Pensar nisso pode nos levar a uma
reflexão interessante sobre o papel da arte em tempos de crise.
Os últimos momentos de Z, nos quais Costa Gavras mostra, de
forma fria e direta, o início da ditadura militar na Grécia, ainda me
impressionam. Mais marcante do que eles são as palavras que percorrem a tela ao
final do filme. Desfilam diante do espectador coisas proibidas pela ditadura
grega, sobre a qual as pessoas em geral sabem muito pouco. A ditadura grega
proibiu a sociologia e a filosofia. Proibiu Tolstoi e os Beatles. Proibiu
Rolling Stones e Dostoievski. Pérolas culturais de uma época e de outra.
Disciplinas que instigam o pensamento crítico. Chegaram ao cúmulo de proibir
uma letra do alfabeto. A letra Z. Nessa única letra está todo o simbolismo do
filme, sobre o qual não falarei mais para não estragar o sabor da descoberta
para aqueles que ainda não assistiram ao filme.
Não teria sido possível
filmar uma denúncia desse tipo na Grécia, que vivia um governo autoritário.
Então, Costa Gavras filmou na França, com belos diálogos sendo interpretados
por grandes atores franceses como Yves Montand e Jean-Louis Trintignant. No
Brasil, como já disse, o filme foi proibido.
Costa Gavras dedicou toda sua carreira ao cinema crítico e político. O cineasta grego ainda está em atividade. Seu último filme foi O Capital, lançado ano passado.
A história segue a investigação do
assassinato de um líder político de esquerda, e
o diretor a conduz com a elegância e a inteligência que andam fazendo
falta ultimamente em thrillers de Hollywood. O promotor incorruptível interpretado
por Trintignant é responsável por momentos de tensão apenas com palavras,
montando uma personagem que surge diante dos olhos do público com um exemplo de
funcionário público honesto e comprometido com os interesses da população. Em
nenhum momento o promotor se rende aos interesses de pessoas que ocupam
posições mais influentes do que a sua, como grupos de políticos e de militares.
E o público é convidado a acompanhar essa luta de forças desiguais, sendo
tratado com um respeito imenso. Costa Gavras parece apostar na inteligência do
público, provocando-o a seguir sua história, suas críticas, seu posicionamento
político e histórico. Esse respeito ao espectador é uma das características
mais importantes desse gênero de cinema que podemos chamar de “filmes políticos”,
de forma um tanto quanto generalizante. A condução inteligente da história e a
exposição crítica da trama política é o que faz esse tipo de filmes –
logicamente podemos estender essas características a outras mídias, como a
literatura e a televisão – serem tão importantes em tempos difíceis. A reflexão
e o pensamento crítico são fundamentais ao se atravessar períodos problemáticos.
Jean-Louis Trintignant aponta para um militar corrupto.
Acho possível dizer que o Brasil passa
por momentos difíceis. Na época em que Z
foi lançado, nosso país também atravessava momentos de crise. Mesmo não
assistindo ao filme, diversos brasileiros sabiam que ele havia sido censurado,
o que pode estimular reflexões sobre as razões para essa proibição. Brasileiros
que foram ao exterior puderam ver o filme, e refletir de forma ainda mais
intensa sobre esse país que proíbe obras que criticam ditaduras. Então, em
tempos difíceis, reflexões e tramas políticas são bastante interessantes. Não
necessariamente para realizarmos uma reflexão histórica sobre eventos
acontecidos, mas também para entendermos nossa própria realidade. No caso
específico do Brasil, acho que seria mais chocante escancarar a hipocrisia e a
crueldade de nossa sociedade atual do que recuperar eventos políticos passados.
Não quero dizer que não se devam produzir filmes – e livros e músicas – sobre o
regime militar, sobre a Era Vargas ou sobre o que for, mas sim que precisamos
também de filmes – e livros e músicas - de viés político e críticos aos tempos
complicados que atravessamos. É necessário falar sobre uma sociedade surreal
que acha que participar de programas de distribuição de renda do governo
federal é sinônimo de vagabundagem. Ou que afirmam não existir racismo no
Brasil. Ou que se utilizam de termos cretinos como “ditadura gay”, “gayzismo”, “feminazis”
e outras coisas imbecis do gênero.
Para
citar exemplos de filmes que fizeram isso, e não falar apenas do trabalho do
grande Costa Gavras (que fez uma bela carreira, com outras obras políticas como
Estado de Sítio e o polêmico Amén): Todos os Homens do Presidente, de Alan J. Pakulla, conta de forma extraordinária
a pesquisa jornalística que colaborou para o fim do governo de um escroque
chamado Richard Nixon. Sidney Lumet, um dos maiores diretores de todos os
tempos, comentou de forma instigante a busca desenfreada por audiência em uma
rede de televisão, o que leva à produção de sensacionalismo puro e acrítico, em
Rede de Intrigas. Chaplin criticou
Hitler em plena Segunda Guerra Mundial, com seu O Grande Ditador. Stanley Kubrick ridicularizou a Guerra Fria e a
corrida armamentista entre EUA e URSS em Dr.
Fantástico. E há o clássico dos clássicos dos filmes políticos: A Batalha de Argel, de Gillo Pontecorvo,
belo relato sobre a luta pela independência da Argélia. Há muitos outros,
apenas citei meus favoritos. E olhem que nem entrei no território da ficção
científica e das distopias, que nos presentearam com maravilhas como 1984, livro de George Orwell, e a série
de jogos Bioshock, uma das melhores
histórias que eu já tive o prazer de conhecer, em qualquer mídia.
Alguns podem se
perguntar se estamos mesmo atravessando tempos difíceis, ou se essa afirmação é
um exagero. Porém, é importante lembrar que vivemos numa época na qual pessoas
buscam reeditar a Marcha com Deus pela Família e pela Liberdade, bradando que
um golpe comunista é iminente no Brasil. Vivemos numa época em que uma pesquisa
constata que 65% da população acha que mulheres que se vestem de maneira
considerada provocante merecem sofrer abusos. Se, ao lermos alguma notícia em
um site, pararmos por alguns momentos para nos atentarmos aos comentários,
encontraremos absurdos inclassificáveis. Pessoas que incitam o ódio e que parecem
se esquecer que, pensando igual ou pensando diferente, vivemos em uma sociedade
e devemos conviver uns com os outros. E não há possibilidade de começar a
resolver os imensos problemas que nossa sociedade possui caso não pensemos de
maneira crítica e consigamos ter uma leitura densa sobre nossa realidade. Caso
continuemos a lançar comentários estúpidos pregando a intolerância e o ódio às
minorias perderemos totalmente a educação e o senso crítico, e estaremos
caminhando para uma sociedade acrítica na qual a maioria da população acha que
mulheres sofrem abusos porque querem, e que uma ditadura militar – recuso-me a
dizer intervenção, por motivos políticos – resolveria problemas como
criminalidade e corrupção. Não resolveria nada, mas sim criaria uma realidade na
qual obras de arte políticas seriam interditadas. Z não seria um filme exibido nesse tipo de sociedade. Então,
vivemos tempos difíceis. Devemos agir para que não se tornem tempos piores. E,
para começar a agir, basta pensar, mas pensar de forma crítica.