Metade homem. Metade máquina. 100% ganância dos produtores.
quarta-feira, 26 de fevereiro de 2014
terça-feira, 18 de fevereiro de 2014
Devaneios sobre a literatura fantástica
"Porque a crítica se
desmancha em elogios a autores como Borges e Casares, mas trata os fenômenos da
literatura fantástica da atualidade como escritores bem sucedidos e só? Porque
não se escrevem análises mais apuradas do trabalho de Neil Gaiman? Porque só
vemos os nomes desses autores nas listas dos mais vendidos, ou em comentários
tímidos nos jornais, ou em blogs de fãs? Não há uma resposta definitiva, como
não há respostas definitivas para nada, mas posso tentar esboçar uma
explicação."
Um dos filões mais produtivos – e lucrativos
– do mercado editorial contemporâneo são as obras de fantasia. Histórias
situadas em mundos fantásticos, totalmente descolados da nossa realidade, ou
narrativas que misturam nosso mundo com elementos estranhos a ele, dando origem
a uma intersecção de universos. Não só na literatura esse tipo de história
aparece, mas também em outras mídias como os quadrinhos e os games. Já no
cinema, somos inundados por produções que adaptam histórias fantasiosas para as
telas, enquanto há poucas produções originais no gênero. Porém, enquanto obras
fantasiosas dão um lucro absurdo, e atingem uma popularidade estratosférica, é
notável que ainda se sinta falta de um reconhecimento desse tipo de obra pelos
círculos considerados mais cultos da nossa sociedade, principalmente pela
crítica literária.
As perguntas que desejo
abordar aqui, e em parte respondê-las, são as seguintes: existe qualidade
literária nessas obras de fantasia?; e porque a resistência de parte da crítica
e de leitores mais especializados em abraçar um gênero que diverte milhões de
pessoas? Para tornar as coisas mais claras, devo dizer que entendo qualidade
literária tanto no sentido estético quando no sentido do conteúdo. Um bom
livro, que desponte além da mediocridade de seus pares, no meu entender, deve
ser bem escrito, mas também trazer uma densidade na exploração de seus temas,
seja no sentido da história seja no das personagens.
A primeira das
perguntas é de resposta fácil. Sim, existem qualidades literárias evidentes nas
obras de literatura fantástica. Para citar um exemplo recente, temos diversos
livros de Neil Gaiman que provam isso. O inglês Gaiman, conhecido também por
suas obras no mundo dos quadrinhos, possui um dom incrível para a manipulação
da língua e para contar histórias. É capaz de, em poucas frases, tecer
comentários sobre a condição humana entremeados com crítica social, poesia e o
mais puro nonsense. Há também um dos
escritores mais pop do momento, meu gorducho favorito George R. R. Martin,
autor das famigeradas Crônicas de Gelo e
Fogo, fenômeno cultural mundial, principalmente após terem sido adaptadas
pela HBO e dado origem à série Game of
Thrones. Martin é conhecido por matar personagens importantes com uma
facilidade incrível, causando surpresa e revolta em seu leitor. Mas não podemos
nos esquecer da habilidade invejável que o estadunidense possui em criar
ambientes fantásticos, em tecer referências históricas, em organizar seus
livros de forma a enredar o leitor em uma teia de ganchos narrativos de fazer
inveja à melhor das séries de televisão. E suas intrigas palacianas são tão
intricadas que parecem fazer referência às peças históricas de Shakespeare. O
mundo riquíssimo estabelecido por Martin em suas Crônicas levou a revista Time a compará-lo com o papa da literatura
fantástica do século XX, J. R. R. Tolkien, criador da Terra Média, que todos que
me lêem devem saber o que é. Logicamente, isso levou a algumas polêmicas com
fãs radicais de Tolkien. Eu desejo acrescentar um pouco de pimenta a essa
comparação pueril, dizendo que os dois são autores diferentes, que abordam temas
diferentes, sendo que a grande semelhança entre eles é a criação de um mundo
fantástico, baseado na mitologia europeia. A influência de Tolkien sobre Martin
é inegável, mas pensando de forma clara e sensata: o gordinho norte-americano domina
a arte de contar histórias de forma muito mais completa do que Tolkien. E não
direi mais nada sobre isso. Talvez em outra ocasião.
Neil Gaiman e seu estilo punk rocker |
George R. R. Martin e sua bonacheirice sádica |
Mencionei dois autores
contemporâneos, e certamente muitos outros talentosos escritores estão por aí
escrevendo boas obras de fantasia, mas não há espaço para listá-los aqui. Antes
de partir para meu segundo questionamento, acho importante mencionar autores
considerados clássicos que passearam pela literatura fantástica. Fazendo um
apanhado bem rápido, podemos citar Oscar Wilde e seu Retrato de Dorian Gray, que utiliza o fantástico para tecer
metáforas intrigantes sobre o comportamento humano, e Robert Louis Stevenson e
sua obra-prima O Estranho Caso de Dr.
Jekkyl e Mr. Hyde, mais conhecida como O
Médico e o Monstro, que se utiliza do mesmo recurso. Há ainda os livros
clássicos de monstros, como Frankenstein,
de Mary Shelley, e Drácula, de Bram
Stoker. Até mesmo o auto intitulado “historiador dos costumes” da França do
século XIX, Honoré de Balzac, flertou com o fantástico em contos como Melmoth Apaziguado e em seu belo romance
A Pele de Onagro. Goethe, em seu Fausto, usou e abusou de elementos
fantásticos, indo da mitologia para a cultura religiosa, e até Shakespeare, o
mestre dos mestres, foi o autor de duas lindíssimas peças com conteúdo
fantasioso, Sonho de uma Noite de Verão
e A Tempestade. Para completar a
lista, e citar exemplos mais próximos de nós, olhemos para a Argentina, país
vizinho que possui dois dos mais cultuados escritores latino-americanos do
século XX: Jorge Luis Borges e Adolfo Bioy Casares. Os dois trabalhavam com
literatura fantástica.
Agora chego à minha
segunda pergunta, e também à conclusão de meu texto. Porque a crítica se desmancha
em elogios a autores como Borges e Casares, mas trata os fenômenos da
literatura fantástica da atualidade como escritores bem sucedidos e só? Porque
não se escrevem análises mais apuradas do trabalho de Neil Gaiman? Porque só
vemos os nomes desses autores nas listas dos mais vendidos, ou em comentários
tímidos nos jornais, ou em blogs de fãs? Não há uma resposta definitiva, como
não há respostas definitivas para nada, mas posso tentar esboçar uma
explicação.
Parte da crítica e do
público mais especializado está saturada de presenciar o lançamento de livros
escritos às pressas, como único objetivo de vender milhares de exemplares e
encher os bolsos do autor e da editora. Boa parte desses livros são de má
qualidade. Isso gera um preconceito imenso com best-sellers, dividindo, de
forma arbitrária, o mercado editorial entre a “literatura séria” e a “literatura
de entretenimento”. Livros com elementos fantásticos normalmente agradam a uma
boa parcela do público, o que os faz vender muito, o que por sua vez liga o
radar do best-seller e aumenta o preconceito contra eles. Dessa forma, boa
parte do pessoal que procura por “literatura séria” encara obras de fantasia
como um novo Harry Potter (não discutirei
as qualidades ou defeitos da série aqui), ou mais um dos mil e quinhentos
livros que o Stephen King publica por semestre. Não importam mais as qualidades
que possam existir em um livro do King, ou em um Harry Potter, o que fica evidente é a mercantilização da
literatura, que dilui conteúdos e temas. Autores não trabalham temáticas mais
densas porque existe uma regra – inventada não se sabe por qual idiota – que diz
que o público quer se divertir, e que livros esquemáticos e escritos de forma
soluçante, como as bombas lançadas por um cidadão chamado Dan Brown, vendem
justamente por isso. Não se questiona que o público pode querer algo mais
inteligente ou profundo, ou até mesmo qual o motivo que o atrai para livros do
Dan Brown. Se a porcaria vende, quer dizer que o público está ávido por
porcarias, e, portanto, as editoras desejam que lhe entreguem porcarias, coisas
superficiais que são lidas e esquecidas cinco minutos depois. As regras do
mercado editorial acabam nivelando tudo por baixo, e colocando no mesmo saco
grandes obras de fantasia e obras medíocres ou ruins. Tudo isso faz com o que a
crítica acabe prestando mais atenção em livros de temática mais realista, ou em
alguma coisa que procure fugir à lógica dessa mediocridade editorial, caindo em
um círculo vicioso de preconceito literário.
Voltando ao exemplo
dado nos parágrafos anteriores, de escritores fantásticos consagrados, como
Borges e Casares: eram escritores que faziam um relativo sucesso, que vendiam
bem, mas que nunca foram submetidos de forma tão brutal às fórmulas do que vende
ou não vende. Se pensarmos somente no retorno financeiro, a liberdade artística
se dissolve, a superficialidade toma conta, e a arte morre. Arte é contestação,
é reflexão, não é somente uma forma de passar o tempo. Literatura é arte,
portanto, literatura deve promover o pensamento, seja por meio de reflexões
profundas ou por meio de boas histórias, que nos instiguem a criatividade e
também os limites da nossa realidade. Desejo muito ver um ambiente literário no
qual não se encare livros com prejulgamentos, mas que também permita uma
liberdade artística total a seus criadores. Seria interessante ver críticos
olhando para o Stephen King e reconhecerem que, mesmo com diversos livros
estapafúrdios repletos de metáforas toscas do amadurecimento, ele possui
momentos ousados e profundos, como nos demonstram algumas das páginas de sua
série gigantesca A Torre Negra. Seria
também sensacional se a J. K. Rowling pudesse se livrar do estigma do Harry
Potter, uma das personagens mais insuportáveis da literatura universal. Seria
bom que Dan Brown aprendesse a escrever. Mas, para isso acontecer, o movimento
deve partir também da parte do público leitor. Os leitores precisam amadurecer,
ler coisas diferentes e desafiadoras, não ficarem presos a somente um gênero,
explorarem diversos mundos literários, passearem de Dostoievski a Tolkien.
Porém, para terem esse tipo de atitude, precisam parar de agir como crianças
choronas pressionando o velhinho bonachão chamado George R. R. Martin, exigindo
que ele complete o sexto livro das Crônicas
o mais rapidamente possível. Esse tipo de atitude corresponde ao de um bando de
consumistas mimados, e não a de pessoas interessadas no trabalho de um
talentoso. Eu prefiro esperar alguns anos a mais e ter um belo livro em mãos.
Afinal, Tolstoi não escreveu Guerra e Paz
em um mês.
Martin manda um recado aos fãs impacientes |
terça-feira, 11 de fevereiro de 2014
Pensamento profundo e fértil, ou, como Star Trek pode nos ajudar a refletir filosoficamente
Star
Trek
é coisa de nerd. Frase até um tanto clichê essa. Mas, reconheço que, de fato, Star Trek é coisa de nerd. Da mesma
forma que Battlestar Gallactica e Dr. Who também são. Eu, não por acaso,
sou fã das três séries. Isso faz de mim um nerd? Talvez, e não há problema
nenhum com isso.
Antes
de prosseguir com o texto, e chegar ao tema central que vou abordar, devo dizer
que, quando menciono Star Trek, me
refiro às cinco séries de televisão e aos dez filmes produzidos com a franquia.
Não me refiro aos filmes mais recentes, dirigidos por J. J Abrams, um dos
diretores menos sérios e mais gananciosos do atual cinema estadunidense. Não me
refiro nem ao primeiro – e bom – filme sob a batuta de Abrams, nem ao segundo,
que colocou um dos melhores atores do mundo interpretando um dos melhores
vilões da ficção científica, mas se ocupou 80 por cento do tempo em jogar uma
série de explosões na tela, para distrair o público dos horrendos buracos de
roteiro que o filme possui.
Mas
chega de diretores descompromissados com a franquia que comandam. Voltemos no
tempo e falemos da série clássica de Star Trek. Minha intenção aqui é
ressaltar, de forma sucinta, como alguns episódios desse grande clássico da
ficção científica abordaram temas filosóficos, sociológicos e históricos, de
forma criativa e agradável, abrindo portas para que o público pudesse explorar
esses temas após desligar a televisão. Usarei três episódios como exemplo, dois
da série clássica e um da Nova Geração,
retomada da franquia produzida nos anos 80.
Primeiramente, lembro-me aqui de um dos
episódios mais bem roteirizados em toda a história da série, A Cidade à Beira da Eternidade (The City on the Edge of Forever),
componente da primeira temporada da série original. Esse belíssimo episódio
coloca a Enterprise (a nave onde as personagens da série viajam pelo espaço)
diante de um portal, que possui vontade própria e capacidade de transportar
pessoas para diferentes épocas da história. O Capitão Kirk, acompanhado pelo
racional Sr. Spock, atravessa o portal, para resgatar seu amigo Dr. McCoy, que foi
parar na Nova York dos anos 30. Ao chegar lá, Spock descobre que a presença
dessas figuras do futuro na Terra dos anos 30 poderia alterar a história de nosso
planeta para sempre. O enredo do episódio se desenrola de forma exemplar, e,
próximo ao final, o Capitão Kirk e o público são apresentados para uma das
minhas coisas favoritas em Star Trek:
dilemas éticos. Não posso contar exatamente qual será o dilema, já que
estragaria a história do episódio para aqueles que não o viram. Só adianto que
questões filosóficas e históricas excelentes são apresentadas. Uma pessoa pode
mudar a história? O bem de um indivíduo deve ser sacrificado para o benefício
da maioria? Somos capazes de sacrificar nossos amores pelo bem comum? Responsabilidade,
ética, história e outros temas estão presentes nesse episódio marcante.
Reflexões filosóficas interessantes podem partir dela, e espero que elas surjam
para a maior parte daqueles que assistirem a esses brilhantes cinquenta minutos
de televisão.
Agora
vamos para a terceira temporada da série clássica, com uma bela reflexão sobre
os direitos civis, em A Última Batalha
(Let That Be Your Last Battlefield).
Essa história alegórica coloca dois alienígenas em conflito, enquanto os
tripulantes da Enterprise tentam mediar uma luta de séculos que envolve essas
duas espécies. As duas possuem o rosto dividido em dois, sendo que um dos lados
da face é preto e o outro branco. O detalhe, e o que gera o conflito, é que uma
delas possui o branco do lado direito e o preto do lado esquerdo, enquanto a
outra tem a face dividida de maneira oposta. O conflito é racial, e essa foi
uma das primeiras abordagens pungentes do racismo na televisão norte-americana.
Muitos nem perceberam a alegoria, o que evitou medidas restritivas da NBC,
canal que exibia a série. As emissoras de TV possuíam mais controle sobre sua
programação, podendo sugerir mudanças drásticas em seus programas. Como Star Trek era ficção científica, os
chefões da NBC achavam que era fantasia, e mal se atentavam às alegorias
relacionadas à luta pelos direitos civis que ocorria nos Estados Unidos nos
anos 60. Nesse episódio que comento agora, me é inesquecível a discussão entre
os dois alienígenas, quando o Capitão Kirk afirma que eles são iguais. A resposta
categórica, proclamada pela espécie que perseguia a outra (existia uma classe
social dominante no planeta de origem dos dois) é assustadora: “Lógico que não
somos iguais, o meu lado direito é branco”. Não por acaso, o lado direto da
espécie que perseguia a outra era branco. Essa e outros tipos de alegoria
permitiram que a série comentasse, em plenos anos 60, sobre o racismo, a Guerra
do Vietnã, o perigo nuclear, o aumento populacional, entre outros temas. O próprio
Martin Luther King se declarava admirador da série, que exibiu o primeiro beijo
entre um homem branco e uma mulher negra na história da televisão.
Para
encerrar essa discussão sobre as reflexões a serem estimuladas por Star Trek, trago o exemplo de um
episódio emocionante, chamado Darmok,
exibido na quinta temporada de A Nova
Geração. Essa história de amizade é uma das reflexões mais incríveis sobre
a linguagem que eu já vi. Isolado em um planeta hostil, o Capitão Picard
encontra-se com um alienígena cuja língua o diplomático comandante da
Enterprise não consegue compreender. Mas a necessidade fala mais alto e, para
sobreviver, ele precisa aprender a se comunicar com seu companheiro de exílio.
Aos poucos, Picard descobre que a etnia desse alienígena não utiliza uma
linguagem literal, mas sim uma linguagem metafórica. Em um grande momento do
roteiro, essa linguagem é explicada da seguinte maneira: “Eles falam por
metáforas, utilizam imagens. Se eles querem falar sobre amor, não dizem a palavra
amor, mas sim uma imagem desse sentimento, como Julieta em seu balcão.” O capitão, aos poucos, consegue se
comunicar com seu companheiro. A cena em que os dois, à beira de uma fogueira,
trocam histórias das respectivas culturas, é de arrancar lágrimas. O episódio
não é simplesmente uma belíssima reflexão sobre a riqueza disso que chamamos de
linguagem, mas também sobre as histórias que contamos, sobre a amizade e sobre
a tolerância. Para nos entendermos uns aos outros, basta nos esforçarmos,
escutarmos com atenção. Essa mensagem é maximizada pelo grande trabalho dos
dois atores, e homenagens sejam prestados aqui a Patrick Stewart e Paul
Winfield. Quem quiser conferir um momento dessas grandes atuações, confira o vídeo:
Espero
que tenha conseguido dizer o quanto Star Trek pode ser uma bela fonte de reflexões,
e também o quanto essa série foi importante para a minha formação. Até a
próxima. Enquanto isso: vida longa e próspera!
domingo, 9 de fevereiro de 2014
Paul McCartney: o homem das mil vozes
De modo geral, acredito que na memória da maioria das pessoas a voz de Paul McCartney seja suave e doce, como em Yesterday. Essa delicadeza vocal, no entanto, não se restringe a uma fase específica da carreira: em Till There Was You, de 1963, e em Hello, Goodbye, de 1967, uma suavidade semelhante também está presente. Assim, é interessante notar que as características da voz de Paul não são determinadas por sua idade ou momento da trajetória musical, mas por escolhas técnicas que mais se adequam ao estilo de cada canção. Contrastando com essa voz doce, a agressividade presente nos vocais de Helter Skelter garantiu a identidade barulhenta da música que viria a originar o Heavy Metal. O vocal “rasgado”, característico do drive, é marcante também em canções como Sgt. Peppers e Oh! Darling, principalmente nas notas mais agudas. Na exibição ao vivo de Jet, em 1976, esse recurso é notável e garante o que pode ter sido a mais impressionante apresentação vocal de Paul, com então 34 anos e agudos poderosos e impecáveis. Em Monkberry Moon Delight, o ex-Beatle surpreende sustentando o drive ao longo de toda a música, de modo que muitos fãs se questionam se é realmente ele cantando.
Em relação ao timbre vocal, a maioria das
composições de Paul revela uma voz clara e brilhante, com bastante intensidade
nas notas agudas, como Hold Me
Tight e She Loves You, do início da
carreira dos Beatles, e Silly
Love Songs, com os Wings. Já nos anos 80, em carreira solo, Coming Up é cantada com
tamanha leveza e brilho que novamente sua voz se torna quase irreconhecível.
Por outro lado, canções como Lady
Madonna e Let It Be mostram uma voz pesada e aveludada,
completamente diferente dos exemplos anteriores. You Never Give Me Your Money,
do inesquecível álbum Abbey
Road (1969), é por si só uma
ilustração da versatilidade vocal de Paul McCartney. Inicialmente, no dueto com
John, a voz de Paul é suave e brilhante. No verso que se segue a voz do
baixista surge com um timbre grave e encorpado. O apreciador desavisado, quando escuta
a essas canções pela primeira vez, pode não saber dizer se é Paul ou
Ringo cantando.
O que é, sem dúvidas, inconfundível na voz
de Paul McCartney é seu controle sobre os gritos rasgados característicos
do rock n’ roll. Nos
primeiros anos dos Beatles, fortemente influenciados pelo rockabilly, os poderosos berros
de Paul são marcas memoráveis de hits como I
Saw Her Standing There, Twist
And Shout e Long Tall Sally. Já no fim dos Fab Four, Paul mostra novamente
seu controle nos falsetes e drives no inesquecível grito de Hey Jude. Entretanto, o
ex-Beatle mostrou também ao longo de toda sua carreira um invejável domínio dos
falsetes leves e suaves. Em Mother
Nature’s Son e Maybe I’m Amazed os agudos são límpidos e as notas
claras e bem colocadas. Em 2002, na exibição de My Love, Paul, com 60 anos e
algumas mostras de cansaço devido a idade, surpreende e encanta com falsetes
incríveis e voz impecável.
Essas são algumas das mil vozes de Paul
McCartney. Sua versatilidade vocal foi, sem dúvidas, algo que contribuiu para o brilhantismo dos Beatles com composições dos mais variados estilos. Espero, por fim, ter feito observações que indiquem possibilidades de ouvir e apreciar a obra de um dos maiores nomes da música no
último século.
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